Bem vindo à zona por mim escolhida para escrever o que me vai na cabeça..

...ou que, na maior parte das vezes, finjo que vai, porque fica sempre bonito fingir que se sente, como o poeta.

PS


domingo, 28 de fevereiro de 2010

E venha outro

Ontem fiz uma das muitas coisas que me dão prazer fazer: Representar.
Para mais de 200 pessoas que, embora nem sejam muitas, já têm olhos suficientes para me fazerem sentir grandiosamente pequeno.

E, por isso mesmo, aqui vai algo que escrevi há tempos sobre o assunto:


Mais um sábado de manhã a acordar cedo… nem no fim-de-semana posso dormir até tarde.
Por que o faço, então? Porque o quero e o tenho de fazer.
Tenho ensaios do ***** para participar. Já faz parte de mim, da parte da minha rotina que a torna não-rotineira.
Chego à *****, todos me saúdam com um sorriso de “Olá outra vez” e “Vamos lá outra vez”.
Exercícios de voz, de pose, de coiso e mais não sei quê. Divertem, embora saibam a pouco.
Mas fazem muito… são esses momentos chatos de criação de rotinas que irão levar-me pelo no caminho certo, tomando o lugar do meu cérebro desligado pelo frio dos nervos, quando subir ao palco.
E os sábados vão passando e os procedimentos calejando… e chega o dia D.
Até se ouvir a frase “Vamos abrir as portas”, é tudo relativamente calmo… montagem de palco e ensaios de última hora, nada de mais, mas essa frase traz o nervoso que de miudinho não tem nada.
Todos repetem as suas deixas em voz surda e confirmam se não falta algum adereço.
As mãos gelam e a garganta seca.
O stress e a paz de espírito lutam pela supremacia no meu corpo, ofuscando a racionalidade.
Ouve-se a frase inicial da peça… “Já começou” é o pensamento que passa pelas cabeças dos que estão atrás dos panos e todos ficamos nervosos pelos que já fazem valer as horas investidas, ali, no mostruário, em frente a tantos olhares.
“Aí está a deixa, é a minha vez de entrar.”
A mente desliga.
Subo, as frases saem-me sem esforço enquanto me apercebo dos que me rodeiam, lá em cima. Tomo atenção ao que fazem, correspondo e vai-se mantendo a sinergia.
Hora de humor… lanço-o, não me rio, nem tenho vontade de o fazer (muitas coisas perdem a piada quando repetidas uma vez por semana, durante meses), e sigo.
“O público fartou-se de rir com o que fizeste, reparaste?”
Não.
Lá em cima não existe público. Só eu, os outros e uma grande vontade de lá estar e de não errar.
Não existe mais nada.
Nada.
O meu universo acaba onde não chegam as luzes.
Acaba a minha parte. Saio, sorrio para os que me esperam e já está. Para o ano há mais.
Penso se foi para isto que estive a acordar cedo todos os sábados… se foi para perder o raciocínio lógico por uns momentos, por querer agradar a outros durante uma ou duas horas, mesmo que para isso me tivessem roubado dezenas delas.
Sentarmo-nos na plateia é fácil e divertido… aparecer a tempo, ocupar o lugar, ver, rir ou não, bater palmas, comentar e ir para casa, que amanhã é dia de trabalho.
Devia eu também limitar-me a assistir, não? Não.
Mesmo.
Gosto de ser a fonte do som e o alvo das luzes e dos olhares, mesmo que não os consiga retribuir de lá de cima.
Verdade.
Não olho ninguém nos olhos quando estou em palco e não sei por quê, nem quero saber. Sei que assim resulta, comigo.
É diferente, é stressante, é um sofrimento para que outros se divirtam, é um riso tardio, fora de palco, quando tudo já passou.
É difícil, mas adoro-o.
É teatro.

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